Taekwondo Científico


Esta seção será decicada à apresentação e discussão de artigos acadêmicos referentes ao Taekwondo.




 Nº 2: A arte e a ciência do contra-ataque: percepção e identificação 
     15/04/2012
     Ulysses Okada de Araújo


        O primeiro desafio na realização de contra-ataques no taekwondo, como vimos anteriormente, se situa nas etapas que podem ser descritas como percepção e identificação do estímulo. No nosso caso, obviamente, o estímulo é o chute que tentamos identificar para executar uma resposta (contra-ataque) adequada.
       Se não parece uma dificuldade a princípio, talvez seja necessário lembrar que na verdade a visão não é uma fonte sensorial tão precisa como podemos imaginar. Saindo do centro focal, a nitidez e a capacidade de perceber detalhes e cores degrada-se sensivelmente. Temos pontos cegos em determinadas regiões da visão de cada olho, e o que acreditamos ser uma visão estereoscópica perfeita na verdade é uma visão em duas dimensões com algum senso de profundidade. Os rápidos movimentos dos olhos minimizam a impressão de baixa resolução que teríamos se pudéssemos notar com clareza a capacidade de distintas regiões da retina.
       O que é mais importante para a execução de contra-ataques é que a demora para realizar respostas simples a estímulos visuais é maior do que para realizar respostas semelhantes a estímulos táteis ou sonoros. Ainda assim, é a visão o principal meio que iremos utilizar para tentar identificar basicamente duas coisas: (1) Com que chute seremos atacados? (2) Quando seremos atacados?

       Ao contrário de outras lutas onde os oponentes permanecem mais próximos entre si ao longo da atividade, no taekwondo temos, na maior parte do tempo, a possibilidade de enxergar praticamente todo o corpo do adversário. Isso é uma vantagem, mas também cria um problema: para onde podemos olhar para que o processo de identificação do ataque seja mais eficaz? Infelizmente, até o presente momento não foi possível localizar estudos que se dediquem especificamente a essa questão no taekwondo. Entretanto, sabemos através do estudo de atletas de outros esportes que indivíduos habilidosos focam aspectos específicos do ambiente ao tomar decisões, e seu foco de visão transita rapidamente entre os pontos que consideram importantes, ao invés de “flutuar” por toda a cena.
       Como não temos parâmetros para afirmar com alguma evidência científica quais pontos os indivíduos mais habilidosos no taekwondo observam para tentarmos reproduzir essa perícia, talvez tenhamos que pensar que tipo de treinamento leva com mais eficiência à aquisição dessa habilidade. Espero que até esse momento tenha ficado óbvia a necessidade de um companheiro de treino para melhorar a habilidade na percepção e identificação de ataques. Muitas coisas podem ser melhoradas com o uso de raquetes e aparadores, mas essa habilidade de identificação não é uma delas.


       Inicialmente, pode ser mais fácil para os aprendizes realizar saídas ou contra-ataques simples frente a companheiros que atacam sem o uso de fintas, com a introdução progressiva dessas ao longo da atividade. Também pode ser mais fácil realizar contra-ataques sabendo o chute que será empregado no ataque, mas sem dúvida é necessário haver a progressão para condições de treinamento em que mais de um tipo de chute pode ser empregado no ataque – no mínimo a decisão entre um chute com a perna da frente ou a de trás, ou pouco contribuiremos para o desenvolvimento dessa habilidade. Em linha com os princípios do treinamento esportivo, quanto mais os aprendizes estiverem próximos da situação-alvo, mais poderão adquirir a experiência para identificar os diferentes tipos de ataque. Entretanto, submeter um iniciante à complexidade da situação de luta pode ser, para ele, cansativo e exasperante, pouco ajudando a fazê-lo observar quais são as características dos padrões de movimento do início de cada tipo de chute – o momento mais tardio que podemos observar para executar adequadamente um contra-ataque.
        Portanto, para treinar essa habilidade largue o aparador, trate bem o seu colega e insista se necessário no tipo de situação que lhe traz dificuldade: não se preocupe em tentar olhar para pontos específicos pois é a partir da observação dos movimentos nessas situações que você descobrirá como melhor identificar ataques, para melhor atingir os contra-ataques.






Ulysses Okada de Araujo
Faixa-Preta 1º Dan
Integrante da Equipe de Taekwondo da USP
Ex-integrante da Equipe de Taekwondo de Cotia-S.P. (Mestre Geraldo Siqueira)
Professor, Técnico e Árbitro de Taekwondo
Campeão do Circuito Paulista de Taekwondo 2002 (Luta - Faixa-Preta até 72Kg - Liga Paulista de Taekwondo) e de outros campeonatos regionais
Especialista de Laboratório do Laboratório de Comportamento Motor da EEFE-USP
Bacharel, Licenciado e Mestre em Educação Física pela EEFE-USP




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   Nº 1: A arte e a ciência do contra-ataque
     26/03/2012
     Ulysses Okada de Araújo
     O taekwondo é uma arte marcial que proporciona diversas possibilidades interessantes aos seus praticantes. Um de seus momentos mais emocionantes é quando assistimos a de um contra-ataque bem executado. Melhor ainda se somos nós, em treinamento ou em competição, que conseguimos acertar plenamente o timing de um golpe desse tipo.
     Um dos motivos pela qual apreciamos esse momento é a dificuldade em conseguir executar um bom contra-ataque. Mas por que é difícil executar contra-ataques adequadamente? É claro que um praticante ou atleta de taekwondo sabe que diversas variáveis dificultam a realização de um contra-ataque. Fintas e chutes rápidos dificultam a execução das respostas, e podemos eleger um contra-ataque que não é eficaz em uma dada situação. Mas como podemos conseguir acertar mais contra-ataques mesmo com essas dificuldades?
     Podemos achar conhecimentos que dizem respeito a essas e outras perguntas relacionadas à prática do taekwondo ao observá-lo de uma perspectiva científica. Tentaremos, nesse texto e em outros relacionados, abordar aspectos da prática ou competição esportiva a partir dos conhecimentos em Comportamento Motor, uma área acadêmica relacionada à Educação Física que se preocupa, entre outros temas, com o controle e a aprendizagem de movimentos. Tentaremos abordar esse assunto de forma simples, pensando não apenas nos profissionais da área mas também nos praticantes.
     A análise dos processos que ocorrem na realização de uma resposta a um estímulo (no nosso caso, um ataque) pode contribuir para esclarecer alguns pontos desse tema. Inicialmente precisamos, obviamente, ver o ataque ao qual tentaremos responder. Aqui faremos uma distinção que pode parecer estranha: ver é diferente de perceber. Podemos ver o farol de um carro mas não perceber que ele vem a alta velocidade na nossa direção, e da mesma forma podemos ver o início de um chute e achar que é uma finta ou um chute diferente. Já é possível concluir que o processo de identificar com qual chute estamos sendo atacados é distinto, e depende da visão mas ocorre separadamente.
     Depois que concluímos que estamos em uma situação em que podemos contra-atacar (mesmo que essa conclusão esteja errada), precisamos decidir que golpe usar. Aqui também podem ocorrer vários problemas: colisão de pernas, não impedir o ataque ou não acertar o contra-ataque são situações facilmente vivenciáveis e que mostram que esse processo de escolha da resposta não foi tão feliz quanto poderia ter sido.
     Por fim, há a execução do contra-ataque propriamente dita. Mesmo que fazer um gesto qualquer possa parecer algo simples, há uma cadeia de processos internos que devem acontecer sem problemas para que isso possa ocorrer, e muitas vezes só nos lembramos disso ao conviver com pessoas que possuem necessidades especiais. Fadiga, aquecimento inadequado, falta de flexibilidade ou outras situações problemáticas do ponto de vista fisiológico também podem dificultar a realização de um contra-ataque mesmo quando os processos anteriores ocorreram a contento. É também nesse processo que consideramos as habilidades e capacidades do executante na realização do chute: se o praticante não consegue chutar com boa técnica o contra-ataque também não ocorrerá com sucesso.
     Concluindo, um contra-ataque bem sucedido é o resultado de um processo interno que ocorre em etapas: uma decisão inadequada em uma dessas etapas pode dificultar ou impedir que o processo todo resulte no objetivo final, acertar o tão esperado contra-ataque. Abaixo algumas das etapas que foram descritas anteriormente e alguns de seus possíveis problemas.
Percepção:
     Problemas: não observar o ataque (olhando para parte do corpo não importante no adversário, olhando para placar, árbitro, técnico, torcida...).

Identificação:
     Problemas: achar que uma finta é chute, achar que um chute é finta, achar que será um chute quando na verdade é outro.

Decisão:
     Problema: escolher o chute errado para contra-atacar.

Execução:
     Problemas: não conseguir realizar o contra-ataque com técnica, força e rapidez suficientes para conter o ataque (por ser inexperiente, por estar cansado, não aquecido, não flexível...).

     Nesse ponto o leitor pode estar desanimado: são tantas as coisas que podem dar problema! Apresento dois motivos que podem estimulá-lo a preocupar-se com a realização do contra-ataque. O primeiro é tático: contra-atacar permite acertar o adversário evitando um golpe contra si. Mais que dois pontos de diferença (o que você não tomou somado ao que o oponente sofreu), não ser alvo de um ataque pode ter implicações importantes para a integridade do executante em algumas situações.
     A outra razão é ainda melhor: com a prática, pode haver grande melhora no tempo e na precisão dos processos abordados. O que quer dizer que não apenas você vai executar um contra-ataque mais rápido, mas vai olhar para os pontos do adversário que são mais importantes para perceber o chute que ele vai executar; vai perceber mais rapidamente e com maior certeza qual é o chute com que está sendo atacado; e vai decidir mais rapidamente e com mais eficácia qual contra-ataque mais adequado para a situação.
     Algumas dessas melhoras dependem mais da vivência nas situações de luta, outras dependem mais de treinamentos específicos. Muitas podem ser facilitadas por seu instrutor ou praticadas com parceiros de treinamento. Nessa oportunidade tivemos que definir as etapas descritas, para saber em que aspectos podemos melhorar, que ficam como tema dos próximos textos.

Ulysses Okada de Araujo
Faixa-Preta 1º Dan
Integrante da Equipe de Taekwondo da USP
Ex-integrante da Equipe de Taekwondo de Cotia-S.P. (Mestre Geraldo Siqueira)
Professor, Técnico e Árbitro de Taekwondo
Campeão do Circuito Paulista de Taekwondo 2002 (Luta - Faixa-Preta até 72Kg - Liga Paulista de Taekwondo) e de outros campeonatos regionais
Especialista de Laboratório do Laboratório de Comportamento Motor da EEFE-USP
Bacharel, Licenciado e Mestre em Educação Física pela EEFE-USP